Tantra = sexo?
Pedro
Kupfer
Algumas pessoas têm
me procurado através deste site solicitando informações sobre 'aulas de
Tantra'. Como não sei exatamente o que elas entendem por Tantra, fico me
perguntando como poderia ajudá-las a encontrar o que buscam, ou a evitar as
armadilhas em que se arriscam a cair.
Para começar, vamos
dizer o que o Tantra não é. Tantra não é um guru mequetrefe prometendo
orgasmos múltiplos e iluminação e cobrando mundos e fundos por isso. Tantra não
é uma prostituta com nome de deusa oferecendo seus serviços na internet.
Tantra não é um grupo de alienados carentes se excitando e alisando em nome da
hiperconsciência. Tantra não é sacanagem, nem infidelidade institucionalizada.
Tantra não tem nada a ver com "soltar a franga". Tantra não é
tara.
Aquilo que os
clones tupiniquins de Osho chamam de Tantra, não é o Tantra (por favor, veja
o esclarecimento no fim deste texto, antes de se ofender e interromper a
leitura. Obrigado!). Os cursos de Tantra associados à sensualidade,
técnicas sexuais e promessas de iluminação através da excitação sexual têm como
objetivo sustentar a forma de vida de certos autodenominados 'mestres', que
buscam satisfazer seus próprios desvios sexuais e desejos de manipular pessoas,
ganhando um dinheirinho de quebra.
Então, o que
significa essa palavrinha de seis letras? Tantra é o nome de um vasto leque de
ensinamentos práticos que têm como objetivo expandir a consciência e
libertar a energia primal do ser humano, chamada kundalini. O
princípio comum a todos os caminhos práticos de Tantra é que as experiências do
mundo material podem usar-se como alavanca para conquistar a iluminação, já
que este é a manifestação de uma outra realidade, sutil e superior, que está
conectada com a nossa própria natureza.
Nesse contexto, a
visão do Tantra associada ao êxtase sexual é pateticamente superficial e
parcial, se comparada com a verdadeira tradição. O Tantra não é
hedonista nem orgiástico. O objetivo do Tantra é o despertar da força
potencial no homem.
Um colega,
professor de Yoga, comentou recentemente que apenas 10% dos textos tântricos
tratariam sobre sexo. Pessoalmente, acho esse número demasiado elevado. Dos
muitos shastras que consegui garimpar na Índia, em sânscrito e em
inglês, não têm sequer um que trate em detalhe da sexualidade. Algumas técnicas
sexuais, como a reabsorção seminal após a ejaculação (vajroli), se
descrevem, por exemplo, na Hatha Yoga Pradípika.
A única obra hindu
que conheço que trata explicitamente sobre sexualidade, e como aumentar a
performance na cama, é o Kama Sutra, que não é um shastra
tântrico e que, por sinal, fala muito mais sobre ética do que você poderia
pensar sem ter a obra em mãos (1).
Embora existam
diversas vertentes dessa tradição, todas têm o mesmo objetivo e usam as mesmas
ferramentas para atingi-lo: mantras (sons de poder), yantras e mandalas
(diagramas sagrados sobre os quais se exerce a concentração), chakras
(centros da força vital), práticas de iniciação e purificação e um sistema
ético que une e protege o grupo de praticantes. Essa lista de práticas é
incompleta, pois os métodos dessa tradição incluem um espectro muito amplo de
crenças e técnicas.
Tantra significa
literalmente tecido, urdidura; pode ser traduzido como 'espargir
o conhecimento' ou 'a maneira certa de se fazer qualquer coisa', tratado,
autoridade, estender, multiplicar, continuar.
Também designa o
encordoamento do sitar ou outro instrumento musical. É o nome de um
movimento filosófico que compartilha suas principais premissas com a filosofia
do Yoga, herança e patrimônio da cultura dos rios Indus e Sarasvati. O
culto da Grande Mãe está presente na Índia desde o neolítico (8000 a.C.), mas
os mesmos símbolos que o tantrismo utiliza hoje remontam ao paleolítico (20000
a.C.) e estiveram sempre presentes ao longo do continente eurasiano.
O Tantra assimilou
e organizou os rituais da Magna Mater, transformando-os num método de
emancipação que busca na psique humana a manifestação da própria força da Shakti.
Esse movimento teve uma forte influência sobre a religião, a ética, a arte e a
literatura indianas, havendo ressurgido com inusitada força entre 400 e 600
d.C., quando chegou a transformar-se numa moda que acabou por influenciar nos
modos de pensar e agir da sociedade indiana medieval. Aqui ela se afirma,
populariza e estende ainda mais, dando origem a um grande número de correntes e
manifestações filosóficas, religiosas, mágicas e artísticas, algumas
antagônicas.
"Não se trata
de uma religião nova, senão de uma nova caracterização de fatos que pertencem
ao hinduísmo comum, mas que, às vezes, só se apresentam precisamente em suas
formas tântricas. Percebe-se o selo do tantrismo na mitologia e na cosmogonia,
mas, principalmente, no ritual. O gérmen se remonta com freqüência aos Vedas,
especialmente ao Atharva Veda, que pode considerar-se um hinário
pré-tântrico." Jean Renou, El Hinduismo, p. 89.
O Tantra não
pertence à tradição ortodoxa hindu, já
que não existe um darshana com esse nome. Sua visão do mundo é herança e
síntese da Índia aborígene e da Índia vêdica, muito mais antigas do que
imaginaram os estudiosos ocidentais do século XIX. É uma forma de ver a vida
e cada um de seus aspectos.
Há diferentes
linhas do tantrismo: o Dakshinachara, linha da 'mão direita', ou
de tantrismo branco, se justapõe, através dos 'rituais de compensação', ao Vámachara,
corrente da 'mão esquerda', do tantrismo negro, corrente na qual se
destaca a escola Kaula, fundada por Matsyedranatha por volta de
900 d.C.
O tantrismo negro
se caracteriza pelos rituais de transgressão, como o pañchamakara (os
cinco m), no qual o praticante utiliza a ingestão de bebidas
embriagantes, carnes e o coito ritual como meios de chegar à sacralidade.
Podemos identificar alguns desses rasgos no Rig Veda, nas libações
ceremoniais do soma e nos rituais sexuais. No ritual de compensação do Dakshinachara,
o vinho é substituído por água, a carne por coco seco, o coito pelo culto da Shakti,
etc.
O Yogini Tantra
(V:14) diz:
"Madya, o vinho, é o conhecimento intoxicante
do Parabrahman adquirido através do Yoga, que isola o praticante do mundo
exterior. Mamsa não é a carne, mas o gesto em que o sadhaka consagra
todos seus atos à Shaktí. Matsya, o peixe, é o conhecimento sáttvico
pelo qual o adorador sente compaixão pelo prazer e a dor de todos os seres. Mudra,
o cereal tostado, simboliza a renúncia a todas as formas do mal, que conduzem a
novos condicionamentos. Maithuna é a união da kundalini shakti
com Shiva no corpo do adorador."
Um dos artigos de
fé do povo vêdico era, portanto, que a união sexual conduzia à bem-aventurança
do além e devia cumprir-se com verdadeiro espírito religioso para assegurar o
bem-estar espiritual, censurando-se severamente a lascívia." S. B. Lal
Mukherjí, ensaio em Shakti y Shakta, de Sir John Woodroffe, p. 83.
A visão cosmogônica
do Tantra, com suas perguntas essenciais, evidencia uma atitude especulativa
sobre a antropogênese que a vincula ao Samkhya. A cosmogonia se caracteriza
pela união dos opostos: isto é, se trata de uma coincidentia oppositorum,
conjunção dos opostos que se complementam. Essa idéia não é original do Tantra:
existiu em outras cosmovisões ao longo da história da Humanidade; mas o
tantrismo recupera para si esse princípio, muito mais antigo que ele próprio.
Esses dois princípios
em coincidentia oppositorum são Shiva e Shakti. Os rishis,
sábios ascetas do alvorecer do pensamento hindu, chamaram Brahman ou Shiva
o princípio primordial. Tudo existe em função dele, tudo é reflexo e evidência
da sua realidade. Não há noção de criação do mundo nem há Deus: no plano
macrocósmico, Shiva é, parafraseando Aristóteles, o motor imóvel do
mundo. É o Princípio Imutável e Eterno, nem ativo nem criador. Ele não faz
nada: apenas é. Sua manifestação é Shakti, palavra que significa energia
e, por extensão, esposa. Shakti é a Prakriti, a Natureza
do Samkhya, a energia criadora que provoca a manifestação do Universo.
Shiva é inabalável: a ele pertencem o
Ser e a Consciência; à Shakti correspondem o movimento, a mutabilidade e
a geração. Esses dois princípios se representam na iconografia do tantrismo
unidos no viparíta maithuna: Shiva aparece deitado ou sentado,
imóvel, enquanto Shakti está sempre sobre ele, ativa no ato da
manifestação.
Esse modo de
pensamento não é religioso, dogmático ou doutrinário, mas estritamente
especulativo. Dessa maneira, o Tantra, assim como o Samkhya, se aparta de
outras visões que incluem os conceitos de criação, divindade, origem do mundo, et
coetera.
Contudo, o Tantra
possui uma certa semelhança com algumas formas de panteísmo: O que está
aqui, está em toda parte; o que não está aqui, não está em parte alguma (2).
Daí provém o culto à Natureza e à feminilidade. Para o Tantra, o mundo tangível
é bem real: ilusório é pensar que o Ser (Shiva) intervenha ativamente no
Universo manifestado.
Agora, vamos falar
um pouco sobre a parte do Tantra que se ocupa do sexo ritual. A incompreensão
do Tantra e o simbolismo que o transmite colaborou para considerá-lo repulsivo,
vergonhoso e digno de escárnio. A preocupação daquele que condena o Tantra é
fruto da sua própria obsessão com a questão sexual, que o leva a querer coartar
a liberdade dos demais. Nesse sentido, o tantrismo é totalmente natural, e a
sua abordagem do sexo não é patológica, mas absolutamente sadia, de uma espontaneidade
difícil de aceitar para os padrões da 'decência' cristã.
Maithuna, o ritual sexual, não tem nada a
ver com pornografia ou licenciosidade, muito pelo contrário, é um instrumento
que revela a dimensão divinal da natureza humana. Entretanto, nos últimos
tempos, têm surgido mestres inescrupulosos que vendem sexo como se fosse
superconsciência, o que acaba por divulgar e tornar conhecidas no Ocidente
unicamente as formas mais vulgares e degradadas do Tantra.
"O maithuna
é a técnica tântrica que mais fascina os ocidentais, que com demasiada
freqüência confundem-na com uma indulgência para com os apetites sexuais, em
vez de vê-la como meio para dominá-los." Daniel Goleman, A Mente
Meditativa, p. 98.
Enquanto alguns
buscam a elevação através da repressão ou da eliminação do desejo sexual e suas
raízes (samskaras), para o tantrismo a sua utilização é condição básica.
O homem deve evoluir executando as mesmas ações que causam a sua perdição. Assim, afirma o Kularnava
Tantra:
Quando caímos no
chão, é com o auxílio do chão que nos levantamos.
"Pelo próprio
fato de não se tratar de um ato profano, mas de um rito, no qual os
participantes não são mais seres humanos senão que estão 'desprendidos', como
deuses, a união sexual não participa mais do nível kármico. Os textos tântricos
repetem com freqüência o adágio: 'pelos mesmos atos que fazem com que muitos
homens se queimem no inferno durante milhões de anos, o yogin obtém a
salvação eterna'. (...) O jogo erótico se realiza num plano transfisiológico,
porque nunca tem fim. Durante o maithuna, o yogin e sua náyiká
(4) incorporam uma 'condição divina', no sentido de que não somente
experimentam a beatitude, senão que podem contemplar diretamente a realidade
última." Mircéa Éliade, El Yoga. Inmortalidad y Libertad, pp. 194,
197.
Um esclarecimento a eventuais
leitores desatentos: quando escrevo
"clones tupiniquins de Osho", não estou, de maneira alguma, querendo
ofender Osho ou seus discípulos. Um clone é uma cópia. No dicionário
encontramos a seguinte definição de clone. É "o que aparenta ser a cópia
de uma forma original". Tupiniquim, ainda segundo o dicionário, significa
"indígena pertencente ao grupo dos tupiniquins. Uso: informal, jocoso ou
pejorativo". Um "clone tupiniquim", portanto, é um imitador que
não chega aos pés do original; uma cópia malfeita, chinfrin, um imitador
barato, um auto-didata aspirante a "mestre" de sexo tântrico. Conheço
algumas pessoas desse naipe que, por exemplo, promovem cursos de "nudismo
consciente" e outras palhaçadas. Minhas desculpas se o tom de algumas
seções deste texto ofende pessoas que consideram que o Tantra seja mesmo uma
terapia sexual. Na dúvida, perguntem ao Dalai Lama, um tântrico da melhor
estirpe. Namastê!
O que são Shastras?
Shastras
são os escritos sagrados do hinduísmo. Eles estão divididos em quatro classes:
1) Shruti
Considerados como revelação divina direta; incluem os quatro Vedas (antigos livros de salmos) e alguns Upanixades (antigos livros de filosofia);
2) Smriti
Que inclui os ensinamentos tradicionais dos sábios ortodoxos, instruções canônicas para cerimônias domésticas e certas obras de lei secular e religiosa;
3) Purana
Que são as obras mitológicas e épicas hindus por excelência; tratam do conhecimento teológico, astronômico, cosmogônico e físico;
4) Tantra
Textos que descrevem técnicas e rituais de adoração de divindades, assim como atingir a força supernormal. Entre os Tantras, há um grupo particularmente importante de escrituras (chamadas Agamas), as quais, segundo se supõe, foram reveladas diretamente pelo Deus Universal, Xiva, e pela sua deusa Parvati. (São chamados, por conseguinte, o "Quinto Veda".) Eles servem de suporte a uma tradição conhecida especificamente como "O Tantra", que exerceu uma penetrante influência sobre as formas posteriores de iconografia hindu e budista. O simbolismo tântrico foi levado pelo budismo medieval para fora da Índia (Tibete, China, Japão).
1) Shruti
Considerados como revelação divina direta; incluem os quatro Vedas (antigos livros de salmos) e alguns Upanixades (antigos livros de filosofia);
2) Smriti
Que inclui os ensinamentos tradicionais dos sábios ortodoxos, instruções canônicas para cerimônias domésticas e certas obras de lei secular e religiosa;
3) Purana
Que são as obras mitológicas e épicas hindus por excelência; tratam do conhecimento teológico, astronômico, cosmogônico e físico;
4) Tantra
Textos que descrevem técnicas e rituais de adoração de divindades, assim como atingir a força supernormal. Entre os Tantras, há um grupo particularmente importante de escrituras (chamadas Agamas), as quais, segundo se supõe, foram reveladas diretamente pelo Deus Universal, Xiva, e pela sua deusa Parvati. (São chamados, por conseguinte, o "Quinto Veda".) Eles servem de suporte a uma tradição conhecida especificamente como "O Tantra", que exerceu uma penetrante influência sobre as formas posteriores de iconografia hindu e budista. O simbolismo tântrico foi levado pelo budismo medieval para fora da Índia (Tibete, China, Japão).
Fonte(s): As Máscaras de Deus - Mitologia Oriental -
Joseph Campbell
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